Margareth Bravo Marquest

O que Kant entende por belo em sua Analítica do Belo


RESUMEN

Este artículo pretende dilucidar brevemente qué entiende por bello Kant en su Analítica de lo bello, para ello, utilizaré extractos de la escritura poética de Claric e Lispector como posible traducción del sistema fundado por él.


Palabras Claves: Kant, Clarice Lispector, analítica de lo bello, estética.


Abstract: This article aims to succinctly elucidate what Kant understands by beautiful in his Analytic of the Beautiful, for that, I will use excerpts from Clarice Lispector's poetic writing as a possible translati on of the system he founded.


Keyswords:Kant, Clarice Lispector, beauty analytics, aesthetics.

  1. Introdução


    E o outro azul (que é feito nas alturas) Veio aos poucos o nosso azul tingindo Com a sua fantasia diferente


    Autor/ Author

    Margareth Bravo Marquest Universidad Federal do Rio de Janeiro

    ORCID ID: 0009-0006-

    8909-9335

    Correo: margarethbravo@gmail. com


    Recibido: 31/11/22 Aprobado: 15/12/22 Publicado: 12/11/23

    Bem diversa do azul dentro da gente.


    Antonio Carlos Osório


    Esse artigo pretende elucidar de forma sucinta o que Kant entende por belo em sua Analítica do Belo. Para tanto, vou utilizar trechos da escrita poética de Clarice Lispector como uma possível tradução do sistema por ele fundamentado.


  2. Claire Lispector intérprete do belo


    No seu livro A Crítica da Faculdade do Juízo, Kant estabelece os principais conceitos da crítica do juízo integrados ao seu sistema, estes são: entendimento, imaginação, juízo, juízo de gosto (puro). O Juízo de gosto, tema desse trabalho,


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    pertence ao juízo reflexionante. Para melhor compreendê-lo precisamos diferenciá-

    lo do juízo determinante.

    O juízo determinante se apresenta quando já conhecemos previamente sob qual regra cai um objeto, ou seja, a regra, o princípio ou lei é dado. Daí, partimos para aplicação ao particular. Por exemplo, se jogarmos uma bola para cima, sabemos que a mesma cairá no chão, devido ao nosso prévio conhecimento da lei da gravidade. O Juízo reflexionante surge quando estamos diante de um particular–objetos ou fenômenos (contidos no universal) para os quais temos que buscar a regra apurando o universal através de um processo de reflexão. Em razão de não terem o mesmo fim, Kant divide o juízo reflexionante em dois tipos: o juízo reflexionante teleológico, que diz respeito a finalidade da natureza, isto é, a faculdade de julgar a finalidade real (objetiva) da natureza mediante o entendimento e a razão; e o juízo reflexionante estético, cuja finalidade específica é a manutenção do prazer sem depender de nenhuma justificativa racional. É no próprio juízo que se dá a resolução do objeto, entretanto, essa resolução não é propriamente do objeto em questão, mas do sujeito e do seu sentimento, de como ele é afetado na sensibilidade. Como numa fotografia, a foto é a resolução do objeto, mas não o objeto em si. O que está retratado na foto é o sentimento do sujeito em relação ao objeto fotografado. A foto é, então, a versão do objeto segundo a maneira como o fotógrafo foi afetado em sua sensibilidade.

    Existem duas modalidades de juízo estético, que são: o juízo sobre o belo e o

    juízo sobre o sublime. Neste trabalho se observa o juízo sobre o belo, fazendo apenas uma breve menção ao sublime.

    No juízo estético, como compreende Kant, somos atingidos subitamente pelo belo, que nos arrebata suspendendo nosso raciocínio lógico, nossos interesses corporais e cognitivos, num hiato provocado pelo desafio ao juízo reflexionante cuja tarefa imediata é distinguir e refletir o que se dá no “livre jogo” entre imaginação e entendimento. Dessa cópula nasce a experiência do belo. Nas palavras de Clarice Lispector podemos encontrar maior precisão dessa experiência: “Então o fundo da existência se manifesta para banhar e apagar os traços do pensamento” (1998b, 66). Depois de entender com sua poesia o que ocorre com a razão, podemos verificar o que se passa com o corpo: “A imaginação apreendia e possuía o futuro do presente, enquanto o corpo restava no começo do caminho, vivendo em outro ritmo, cego à experiência do espírito [...]” (1980, 43). O belo se sobrepõe a todo o entendimento, e nesse vazio de entendimento, vazio de conceitos, que a imaginação e o entendimento juntos gozam do belo. O belo é o vazio da coisa. A percepção da escritora continua a nos auxiliar:

    Parece-me que o mais provável é que não entendo porque o que vejo agora é

    difícil: estou entrando sorrateiramente em contato com uma realidade nova para mim que ainda não tem pensamentos correspondentes e muito menos alguma palavra que a signifique: é uma sensação atrás do pensamento (1980, 68).

    A palavra sensação, é substituída por Kant pela palavra sentimento, para não haver confusão com a representação objetiva dos sentidos: “A cor verde dos prados pertence à sensação objetiva, como percepção de um objeto do sentido; o seu agrado, porém, pertence à sensação subjetiva, pela qual nenhum objeto é representado [...]” (2008, 10). Portanto é sobre essa sensação subjetiva que Clarice

    está se reportando.


    “Mas eu tenho muito mais à medida que eu não consigo designar”. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu nãoconhecia,equeinstantaneamentereconheço.Alinguageméomeuesforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãosvazias. Masvoltocomoindizível.


    O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem.“Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu” (2009, 176).

    Também no seu livro A Paixão Segundo G.H. onde esclarece:


    Impossível explicar. Afastava-se aos poucos daquela zona onde as coisas têm forma fixa e arestas, onde tudo tem um nome sólido e imutável. Cada vez mais afundava na região líquida, quieta e insondável, onde pairavam névoas vagas e frescas como as da madrugada (1980, 221).

    Ou ainda nesse trecho de seu livro Perto do Coração Selvagem:

    Assim, podemos dizer que, seduzidos pelo desconhecido, o entendimento e a imaginação se comprazem num experienciar que dispensa explicações. Talvez seja assim, “[...] como se o que realmente importasse fosse apenas a sinceridade da imaginação” (19981, 39).

    Para Kant, belo é o que apraz sem conceito e desinteressadamente. O prazer motivado pela percepção de um objeto belo é tido pelo sujeito que reflete em sua subjetividade sobre a forma dessa percepção, como algo apartado de todo e qualquer interesse, logo válido para todos aqueles que refletirem sobre essa mesma forma.

    Para legitimar o juízo de gosto, Kant o insere em quatro categorias, a saber: qualidade, quantidade, relação e modalidade. Vejamos.

    O desinteresse em questão representa uma relação que confere autonomia ao belo. Quem contempla um objeto belo não está coagido a apreendê-lo preso a conceitos, e dessa forma o objeto livre de conceitos está livre para ser o belo puro. Ambos estão numa relação de liberdade, o que contempla e o contemplado. Caso ao objeto belo fosse imputado conceitos para atender a quaisquer interesses, este não seria mais o prazer estético puro. Para Clarice, não tem discussão: “Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada” (1998b, 22). O que Clarice quer é uma experiência do belo, com qualidade livre e desinteressada. De acordo com a tese de Kant: “[...] belo é uma complacência desinteressada e livre [...]” (2008, 14). O belo é um domínio da liberdade, algo só é belo livre de conceitos e pré-conceitos. Não há julgamento no belo, é também totalmente livre de interesses, há gratuidade.

    No juízo estético reflexionante o singular se manifesta num sentimento de

    comunhão universal. O particular vibra em uníssono com o universal, temos a ideia de uma “voz universal” que faz coro a nossa percepção estética, isto é, um modo de sentir que pressupomos, seja comum a todos os homens. Clarice experimenta essa “voz universal” como um estado em que ultrapassa a si mesma: “Minha aura é de

    mistério de vida. Eu me ultrapasso abdicando de meu nome, e então sou o mundo. Sigo a voz do mundo com voz única” (1998b, 24). Lebrun, em seu livro Kant e o Fim da Metafísica, assim coloca: “[…] no momento em que mais pareço curvar-me sobre minha singularidade, eu me sinto universal” (2008, 489). Kant revela que o juízo de gosto “traz consigo uma quantidade estética da universalidade” e acrescenta, que “é belo o que apraz universalmente sem conceito”. Se alguém diz: “isso é belo”, está se referindo ao modo como ele é afetado pela representação do objeto em sua subjetividade como se a beleza enquanto qualidade atribuída ao objeto fosse passível de um juízo lógico. Todos os homens possuem a mesma faculdade de julgar, logo, podem sentir o mesmo estado de ânimo fruto do livre jogo entre a imaginação e o entendimento, o que leva o sujeito a perceber um eco do Outro como uma presença dentro si com a ideia de uma universalidade também subjetiva. Em outras palavras, o que sentimos, o outro necessariamente deve sentir considerando ser o sentimento de prazer livre de qualquer interesse. Trata-se da comunicabilidade universal de um sentimento. “Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim” (1998c, 14). O que pressupomos ter um sentido comum uma vez que o juízo é manifesto a priori, buscamos estabelecer uma norma indeterminada (fora da lógica) no livre jogo entre as faculdades da imaginação e do entendimento, posto que aí se dá a reflexão que demanda a universalidade de seu juízo. O prazer estético puro é originado desse encontro da subjetividade com a possibilidade da universalidade, isto é, a complacência de qualquer sujeito. É sobre essa exigência de autonomia do juízo de gosto que nos fala Kant. E Clarice, o que nos diz?: “De agora em diante eu quero mais do que entender: eu quero superintender [...]. Eu quero entender o próprio entendimento. Eu quero atingir o mais íntimo segredo daquilo que existe. Estou em plena comunhão com o mundo” (1978, 49).

    A finalidade objetiva pode assumir duas formas: objetiva externa (a utilidade) e

    objetiva interna (perfeição), mas Kant não está interessado em basear o juízo estético numa finalidade objetiva. A relação sujeito-objeto nesse caso, não transita numa ordem de causalidade, o que rompe com a própria ordem de objetividade, fazendo dessa experiência uma finalidade sem fim, ou seja, nosso estado de ânimo tem o fim em si mesmo a manutenção do prazer, sem a pré-ocupação de encontrar esse fim na representação do objeto. Ocorre uma espécie de pane no sistema do pensamento por não encontrar um conceito, uma causa que corresponda a forma apreendida pela imaginação; o entendimento não pode orientar-se, da mesma forma a imaginação não pode se conformar às leis do entendimento, de maneira que prazer estético puro mantém sua continuidade e efeito nessa retroalimentação encontrando aí, nessa relação cooperativa e geradora de prazer, sua finalidade. Como diria Clarice: “Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu” (1998c, 48).

    No que diz respeito a modalidade, para Kant lo belo o que é reconhecido

    sem conceito como objeto de uma satisfação necessária (2008). Entretanto, essa necessidade não é teórica, nem prática como determinadas pela razão. É como uma necessidade exemplar que o juízo de gosto é necessário, todos devem concordar, todos possuem a faculdade de julgar; e assim, eu sou todos, por isso, posso supor uma voz universal. É o fundo da existência que universaliza o belo.

  3. Conclusão


O tempo dado pelo objeto e o tempo que se temporaliza no sujeito criam uma ponte para o belo, de tal forma que, antes mesmo que essa ponte se concretize, já vivemos a experiência de atravessá-la. A fonte espaço-temporal-estética de onde brota o belo é o ninc et nunc (o aqui e agora). E o abismo que vislumbramos nessa travessia, é o sublime: “Nele, fixo instantes súbitos que trazem em si a própria morte e outros nascem–fixo os instantes de metamorfose e é de terrível beleza a sua sequência e concomitância” (1998b, 13).


Referencias


Kant, I. (2008). Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden e Antônio Marques. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária.


Lebrun, G. (1993). Kant e o fim da metafísica. São Paulo: Martins Fontes. Lispector, Clarice. (1998a). A Legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco.

  . (2009). A paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco.


  . (1998b). Água viva. Rio de Janeiro. Rocco.


  . (1998c). Felicidade Clandestina. Rio de Janeiro: Rocco.


  . (1980). Perto do coração selvagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.


  . (1978). Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.